segunda-feira, 9 de julho de 2012

As Crianças do Titanic


 COM QUE BRINCAVAM AS CRIANÇAS NO TITANIC? 

Esta é uma questão que há muito tempo tenho em mente: que atividades de lazer as crianças a bordo do Titanic poderiam exercer? Provavelmente faziam as mesmas coisas que os seus pais faziam a bordo, como uma forma de se integrarem na sociedade da qual um dia tomariam partido, pois praticamente tudo estava voltado para o mundo dos adultos no Titanic. Das 127 crianças a bordo do Titanic compreendidas entre os 2 meses de vida e os 14 anos de idade, apenas se salvaram 63, pouco menos de metade... Mas as crianças nem sempre estiveram esquecidas nesta viagem. Desde bonecas de porcelana, a ursos de peluche, a bonecas de pano nas classes mais pobres e bolas simples, as crianças de primeira, segunda e terceira classe como imaginativas que as crianças são, não deixaram de se divertir com aquilo que lhes era permitido. É certo que comer, tomar banho e prepararem-se para dormir a sesta tomaria boa parte do tempo das crianças naquele tempo, mas existem vários registos em todas as classes do que os mais novos a bordo faziam. 
Em 11 de Abril de 1912 o Padre Browne fotografou o pequeno Robert Douglas Spedden, de cinco anos, jogando no convés enquanto lançava o seu pequeno peão (cena reproduzida também no filme de James Cameron). Spedden tinha também outros divertimentos, tinha consigo um pequeno urso de pelúcia a quem chamou Polar, seu amigo inseparável (saiba mais aqui), e para se divertir, Douglas Spedden ficava no cimo da entrada para a grande escadaria, e simplesmente largava o seu pequeno urso pelo fosso das escadas, vendo-o cair os cinco conveses abaixo até ao deque E, depois descia rapidamente os cinco andares para ir buscar o seu urso, voltava a subir até ao convés A e repetia a façanha de novo!  
O pequeno Washington Dodge Jr, de 4 anos, contou nos seus relatos que passava os dias a brincar com berlindes (bolinha de gude) de argila no camarote dos seus pais (leia maisaqui), este seu brinquedo já foi resgatado das profundezas dos destroços. Além destas atividades, o Verandah Cafe de estibordo do Titanic foi transformado numa sala de brinquedos, onde crianças como o pequeno Douglas Spedden, Trevor e Lorraine Allison brincavam com outras durante o dia. Por lá poderiam fazer pinturas, brincar com argila e fazer bonecos, ou simplesmente para as meninas brincarem com as suas bonecas, como se recordava o padre Browne. 
O ginásio a cargo do instrutor T.W. McCawley, que gostava particularmente de crianças, estava reservado para os mais novos todos os dias entre as 13h00 e as 15h00 para se divertirem no cavalo e camelo mecânicos, nas bicicletas ou no equipamento de remo. E no convés dos botes poderiam divertir-se com o jogo de argolas ou o shuffleboard, jogar bowling, futebol entre outros. Tinham também o desfile dos cães dos passageiros ricos todos os dias de manhã e à noite, ou então assistir a um concerto dado pela banda no grande salão, ou com a supervisão dos pais se divertirem na piscina ou na sala de squash. 
Pela segunda-classe, a Sra Selina Rogers recordava-se de algumas crianças jogarem um jogo chamado"corrida de cavalos" no convés.Annie Jessie Harper de seis anos, mais conhecida por "Nina", preferia passear com o seu pai o Rev. John Harper pelo convés. Nina viajava com seu pai e sua tia solteira Jessie Wills Leitch (saiba mais aqui). Certa vez, Nina conheceu a pequena passageira de sete anos de idade, Eva Hart, que viajava com os seus pais. Eva tinha um urso de peluche e uma boneca que tinha ganho de presente no Natal anterior e que nunca mais largara. Nina apaixonou-se logo pelo urso de Eva, e logo as duas fizeram amizade, e Eva Hart perante a insistência do seu pai, emprestou-lhe o seu urso de peluche querido. O urso chegou mesmo a ser visto pelo capitão Smith que comentou com o pai de Eva ser um urso muito bonito. Eva recordava-se também de como era divertido ver os cães dos passageiros que eram levados a passear pelo convés dos botes e de como se apaixonou pelo premiado buldogue francês do passageiro de primeira-classe Robert Daniels, chamado Gamin de Pycombe com quem fez uma grande amizade. 
No Domingo, 14 de Abril,foi celebrado um serviço religioso anglicano na sala de jantar de 2ª classe, liderado por Reginald Barker, o segundo comissário. Evaficou encantada por se poder juntar aocomissário e cantar com ele um dos seus hinosreligiosos favoritos, O God Our Help in Ages Past, e recordava-se que naquele momento entregou-se de todo o coração.
Eva Hart num depoimento que proferiu mais tarde disse que, apesar de se divertir muito numa sala com as outras crianças,achava estranho o fato da sua mãe dormir de dia e ficar acordada a noite toda durante a viagem, devido a um mau pressentimento que tinha com o navio e de ter que ficar com o seu pai todo o dia. Recordou também como ficou sem o urso quando o naufrágio aconteceu e que nunca mais teve um urso porque também jamais quis ter outro igual. Durante toda a sua vida, Eva teve uma especial afeição por buldogues franceses e conservou a amizade com Nina Harper (conheça mais sobre Eva Hart aqui). 
Também para os mais ousados era possível patinar ou então passarem uma tarde na biblioteca a ler. Ruth Becker, de 12 anos, recordava-se pouco depois de partirem, de estar a empurrar o seu irmão de meses no carrinho de bebé disponibilizado pela White Star Line, de espreitar por uma janela que dava para o salão de jantar e de ver as toalhas, os talheres de prata e de ficar encantada com o brilho que causavam por serem novos e por estrear. Lawrence Beesley, professor, recordava-se de jogar de lançar o disco (jogo da malha) e de perguntar a um rapaz de 13 anos que o observava se este queria jogar consigo, mas o jovem negou-se porque era um dos 3 pagens da tripulação, menores de idade e ele cuidava do elevador da segunda-classe não se podendo divertir com as outras crianças. 
A White Star Line permitia a pequenos grupos de segunda-classe visitarem as instalações da primeira-classe e usarem o ginásio e a barbearia que também era loja de souvenirs.
O pequeno Marshall Drew, de oito anos, era orfão de mãe e o pai o deixou aos cuidados do tio. Marshall e os tios, junto com Lawrence Beesley foram dos autorizados a subirem à primeira-classe. Na barbearia do Titanic, o tio de Marshall comprou-lhe uma fita com a inscrição RMS TITANIC, como as que os marinheiros usavam no seu chapéu de uniforme. O maior divertimento de Marshall era desenharquando percebeu que não tinha lápis disponíveis na sua viagem de regresso a Nova Iorque com os tios, sentou-se sobre otapete do seu camarote e com um alfinete, fez pequenos buracos em um pedaço de papel e nesse picotado fez umpequeno Titanic. 
À semelhança de Ruth Becker, a pequena haitiana Simone Laroche de 3 anos, também se divertida a empurrar a sua mais nova irmã, Louise, no carrinho de bebé alugado ao Comissário de Bordo no Titanic. A mãe de Simone, Juliette, recordava-se de uma situação muito engraçada, certa vez no convés, emprestou a boneca da sua filha a uma menina inglesa, com quem Simone, que apenas falava francês, logo fez amizade. Simone estava muito contente com a sua amiga nova, e teve uma grande conversa a tarde toda com a pequena passageira inglesa, o que Simone não sabia é que a menina só entendia inglês... (para conhecer a família Laroche cliqueaqui). 
Michel "Lolo" e Edmond "Momon" Navratil, de quatro e dois anos, viajavam com o seu pai em segunda-classe sobre o nome falso Hoffman, porque os tinha raptado à mãe que ainda amava bastante. Os pequenos eram muito comentados e queridos entre os passageiros de segunda-classe, mas o pai pouco deixava que se aproximassem, e nunca os perdia de vista. Quando lhe perguntavam pela mãe das crianças, ele respondia que a senhora Hoffman tinha falecido. Michel recorda-se de certo dia ter ido comer com o pai ao grande salão de refeições de segunda-classe e de como se sentiu bem ali rodeado de muito conforto. O pai das crianças apenas os deixou uma única vez e por poucas horas, aos cuidados de uma passageira,Bertha Lehmann, uma menina suíça que só falava francês mas nenhum inglês, para que pudesse descansar (conheça maisaqui). 
Na terceira classe, o divertimento era diferente, no filme Titanic de Cameron, numa cena excluída, vemos alguns miúdos correndo atrás de um rato, mas a maioria dos rapazes brincava na popa do navio com uma pequena bola, ou corriam atrás de uns dos outros, ou simplesmente exploravam o navio. Como já aqui mencionado, os pais podiam alugar carrinhos de bebé junto do comissário de bordo para poderem passear com os filhos. Milvina Dean, contou que a mãe lhe falava que passava as tardes com ela e o irmão de dois anos, a ouvir a banda irlandesa que tocava no salão da terceira-classe.
O jovem Frank Goldsmith de 9 anos, lembrava-se de se balançarnas gruas enormes das bagagens e ficar com as mãos cobertas degraxa oleosa. Ele e um grupo de amigos que ele conheceu a bordosubiam e desciam as escadas do navio explorando cada parte do Titanic que estivesse aberta às crianças de terceira classe. Chegaram a entrar na sala das caldeiras para verem os homens das fornalhas a colocarem o carvão nas caldeiras e a cantarem em conjunto batendo com as pás ao ritmo da cantoria. Na tarde de 11 de Abril ficou com a mãe na popa do Titanic a ver a Irlanda a desaparecer, e gritou cheio de alegria: "Mãe! Estamos finalmente no Atlântico!" (leia o relato aqui)
Durante o naufrágio a maior parte das crianças sobreviventes dormiam, foram acordadas e embarcadas nos botes e voltaram a adormecer, como Douglas Spedden embalados ao som de fundo da banda que tocava peças como Estudiantina Waltz e Oh You Beautiful Doll, mas outros como Ruth Becker, Marjorie Collyer e Eva Hart estavam bem dispertos e assistiram ao naufrágio horrorizados.
A passageira Bessie Watt, para distrair a filha Bertha de 12 anos do horror da tragédia imaginou com ela um passeio de barco a remos no Loch Ness. A mãe de Frank Goldsmith escondeu a cabeça do filho nos seus braços sobre o seu peito para que este não visse as pessoas que se debatiam na água gritando por ajuda. Outros passageiros ofereceram biscoitos às crianças, ou distraiam-nas com o céu estrelado naquela noite cheio de estrelas cadentes. A passageira Edith Russel fazia-se acompanhar de um porquinho que, rodando a sua cauda, tocava o Maxixe, e isto divertiu as crianças do seu bote, entre elas, Frank Philip Aks, Trevor Allison, Marion Louise Becker, Richard F. Becker, Annie Jessie Harper, Winifred Vera Quick e Phyllis May Quick, ao contrários dos adultos que não suportavam mais ouvir a música.
Quando chegaram ao Carpathia as crianças foram içadas para bordo em sacos de lona por cordas e guindastes, e foram rodeados de todos os confortos, aquecidos em mantas e cobertores. William Rowe Richards de 3 anos, foi fotografado vestido com uma bata feita a partir de uma cobertura do Carpathia para se manter quente. 
Tarefa difícil terá sido a de muitas mães explicarem aos seus filhos que o pai não iria voltar, que a sua boneca ou brinquedo preferido foi para o fundo com o Titanic, que o navio deixara de existir. Douglas Spedden julgava ter perdido o seu urso Polar, que se esquecera no bote, mas um marinheiro simpático acabou por o encontrar e o acabou por devolver. Frank Goldsmith recordava-se de olhar pela vigia do Carpathia e de ficar assustado porque pensou ter visto em vez do cais de Nova Iorque, novamente um icebergue passando por eles.  
Marjorie Collyer de 8 anos, ao colocar pé em terra foi entrevistada e contou de como se sentiu triste por ver a sua boneca preferida, que tinha sido oferecida no Natal de 2010 deslizar no convés para a água e com tanta gente à sua volta ninguém sequer ter ajudado a sua companheira inseparável. Tal entrevista, sem saber ainda que o pai tinha falecido, comoveu os americanos que lhe ofereceram uma nova boneca a quem deu o nome de Eleanor. Em 1985, Robert Ballard numa da suas expedições deparou-se com a face de uma boneca de porcelana, esta face da boneca pode ser vista no filme de Cameron, dando asas à nossa imaginação para nos questionarmos a quem pertenceria (leia aqui). Um outro brinquedo foi encontrado no Titanic: um pequeno avião feito demadeira balsa, preso com elásticos, com uma hélice que girava. O avião de brinquedo foi encontrado ainda dentro da sua caixa, aparentemente, nunca foi usado... talvez fosse um presentepara uma criança que nunca o soube. Hoje os destroços do Titanic a quase quatro mil metros de profundidade, insistem em lembrar que também as crianças merecem uma homenagem pela inocência que só elas sabem ter.

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